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Comportamento

Por que acreditamos nas fake news?

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fake news - Por que acreditamos nas fake news?

Em um mundo cada vez mais conectado e polarizado, as fake news deixaram de ser apenas um problema informativo e passaram a ocupar um papel estratégico nas disputas culturais e políticas. Mais do que enganos ocasionais ou erros de julgamento, elas têm servido como ferramentas de identificação social, reforçando crenças pessoais e emocionais, ainda que à custa da verdade.

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Um estudo recente do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFPR traz à tona uma realidade inquietante: muitas pessoas compartilham notícias falsas mesmo sabendo que são enganosas, porque elas funcionam como declarações de pertencimento.

Quando a mentira conforta mais que a verdade

A pesquisa nasceu durante a pandemia, período em que a circulação de informações falsas sobre saúde pública atingiu níveis alarmantes. Mas o fenômeno, segundo a pesquisadora Cristiane Sinimbu Sanchez, vai muito além da desinformação em si. Ao analisar os dados, ficou evidente que muitos conteúdos não apenas enganavam — eles serviam a um propósito simbólico: reforçar visões de mundo e valores morais em disputa. Compartilhar uma fake news, nesse contexto, é como usar uma camiseta com uma frase que representa o seu grupo. Pouco importa se é verdade; o que importa é o que ela representa.

fake news - Por que acreditamos nas fake news?

Esse comportamento ficou evidente nas entrevistas realizadas com participantes de diferentes faixas etárias e alinhamentos políticos. Mesmo quando confrontados com o fato de que determinada notícia era falsa, muitos admitiam que ainda assim a divulgariam — porque ela “dizia uma verdade maior” sobre aquilo em que acreditam. É aí que entra o componente emocional: medo, raiva e indignação são gatilhos eficazes para impulsionar o compartilhamento de desinformação. E se a notícia falsa reforça esses sentimentos, ela ganha força, viraliza e ressoa como um grito de guerra.

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Desinformação como disputa simbólica

A tese também apontou que fake news sobre temas sensíveis — como religião, gênero, política, vacinas e educação — são as mais propensas a circular nas redes. Muitas vezes, elas vêm disfarçadas com visual apelativo: letras garrafais, aparência de jornalismo tradicional, vídeos com falas manipuladas. Tudo para soar mais “confiável” e ganhar tração no universo digital.

Mais do que apenas distorcer fatos, essas narrativas atuam como marcadores identitários. Elas dizem: “nós acreditamos nisso, e é isso que nos diferencia dos outros”. Por isso, combater a desinformação exige mais do que apresentar dados corretos. Envolve compreender os vínculos afetivos que essas mentiras criam entre os indivíduos e seus grupos sociais. A verdade, sozinha, não basta quando a mentira oferece pertencimento.

Emoção supera evidência

Entre os mais de 70 participantes ouvidos na pesquisa, ficou evidente que o compartilhamento de notícias falsas não está necessariamente ligado à falta de informação. Em muitos casos, ele nasce do desejo de fortalecer uma narrativa — seja política, religiosa ou ideológica. Em outras palavras, as fake news funcionam como expressão emocional. E quanto mais mexem com as emoções, maior a chance de viralizar.

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Nesse cenário, os grupos de WhatsApp, o Facebook e outras redes com forte apelo pessoal se tornam ambientes férteis para a circulação desses conteúdos. Pessoas mais velhas, por exemplo, tendem a confiar em mensagens vindas de amigos e familiares, mesmo que tragam informações duvidosas. Já os mais jovens, embora mais críticos, são bombardeados por conteúdos de impacto rápido e superficial, o que os torna igualmente vulneráveis a narrativas falsas, especialmente as mais emocionais.

Combater fake news é também promover escuta

A pesquisa vai além da análise acadêmica. Ela lança um alerta sobre a necessidade de políticas públicas que considerem o fator humano por trás da desinformação. Não se trata apenas de ensinar a checar fontes ou de regular o que circula nas redes sociais. É preciso abrir espaço para conversas reais, intergeracionais, empáticas. Locais como bibliotecas, escolas e centros de convivência podem se tornar pontos de escuta e diálogo sobre o que move as pessoas a acreditarem e compartilharem certos conteúdos.

Afinal, como aponta a própria autora do estudo, as fake news são mais do que mentiras: são sintomas de uma sociedade em disputa por valores, por vozes e por visibilidade. Para enfrentá-las, será necessário mais do que checagem de fatos. Será preciso reconstruir vínculos de confiança e abrir espaço para que todos se sintam parte da conversa — mesmo quando discordam. Porque só assim, aos poucos, a verdade pode voltar a ocupar seu lugar de direito.