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Comportamento

Metabólitos do intestino: o elo surpreendente entre o microbioma, o fígado e a obesidade

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Por trás de um corpo saudável (ou doente), existe um fluxo invisível de substâncias que viajam silenciosamente do intestino ao fígado e, dali, ganham o coração e o restante do corpo. São os chamados metabólitos — moléculas produzidas por microrganismos que vivem no nosso intestino e que, segundo uma nova pesquisa realizada por cientistas da USP e de Harvard, têm um papel central na regulação do metabolismo, da sensibilidade à insulina e no surgimento de doenças como obesidade e diabetes tipo 2.

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Publicado na revista Cell Metabolism, o estudo mapeia esse percurso biológico pouco explorado até agora, revelando que o fígado é o primeiro a receber esses compostos — como se fosse um centro de triagem que decide o destino dessas substâncias. De lá, elas seguem para o coração e, depois, se espalham pelo organismo, impactando diretamente a forma como processamos energia e armazenamos gordura.

A conexão entre intestino, fígado e coração

O ponto de partida é a veia porta hepática, uma espécie de atalho biológico que carrega o sangue vindo diretamente do intestino para o fígado. É nesse momento que os metabólitos produzidos pelo microbioma intestinal entram em cena. Eles podem ser transformados, ativados ou descartados pelo fígado antes de circularem pelo corpo.

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(imagem: Julien Tromeur/Unsplash)

Ao analisarem o sangue coletado tanto da veia porta quanto da circulação periférica em camundongos saudáveis, os cientistas encontraram 111 metabólitos enriquecidos na primeira e 74 na segunda. Mas ao expor os animais a uma dieta rica em gorduras, o número de metabólitos da veia porta caiu para apenas 48 — um indicativo claro de como a alimentação afeta o funcionamento dessa engrenagem invisível.

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Além da alimentação, a genética também influencia esse fluxo. Camundongos resistentes à obesidade e ao diabetes apresentaram perfis distintos de metabólitos, mesmo sob as mesmas condições ambientais. Isso sugere que tanto os genes quanto a dieta moldam o diálogo entre o intestino e o fígado.

O que esses metabólitos fazem no organismo?

Essas pequenas moléculas não são apenas mensageiras. Elas atuam ativamente sobre o metabolismo, alterando desde a resposta à insulina até a formação de gordura no fígado. Para entender esse impacto, os pesquisadores trataram camundongos com antibióticos que modificam o microbioma intestinal. Resultado: houve uma mudança significativa na produção e circulação dos metabólitos.

Um deles, o mesaconato, chamou atenção por estar ligado ao ciclo de Krebs — a via que gera energia dentro das células. Quando testado em células do fígado, esse composto e seus isômeros melhoraram a sinalização da insulina, além de reduzir a formação de gordura e estimular a queima de ácidos graxos. Em outras palavras: o metabolismo se tornou mais eficiente e saudável.

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Microbioma: o maestro invisível

Essas descobertas reforçam a importância do microbioma intestinal como uma peça-chave nas engrenagens do metabolismo. Não apenas ele interage com a genética do indivíduo, mas também responde de forma sensível ao ambiente, como mostram os efeitos das dietas e dos antibióticos.

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Esquema resume os experimentos, que analisaram metabólitos presentes no sangue periférico e na veia porta hepática de camundongos com diferentes históricos genéticos de suscetibilidade a doenças metabólicas, após receberem dieta rica em gorduras (imagem: Vitor Muñoz/EEFERP-USP)

O mais interessante é que os metabólitos funcionam como intermediários dessa comunicação. Eles carregam a assinatura química daquilo que acontece no intestino e transmitem essas informações para o fígado e, em seguida, para o corpo inteiro. É como se o organismo recebesse ordens bioquímicas, programadas por um sistema que envolve bactérias, dieta e herança genética.

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Caminhos para o futuro: novos tratamentos à vista

Com esses resultados, os pesquisadores pretendem agora aprofundar o estudo de cada metabólito específico, entender como eles são produzidos e de que forma afetam os tecidos humanos. A ideia é transformar essas moléculas em alvos terapêuticos — ou seja, utilizá-las no futuro como base para o desenvolvimento de novos medicamentos para combater obesidade, diabetes tipo 2 e até mesmo síndrome metabólica.

É o início de uma nova fase na medicina metabólica. Uma fase em que, ao invés de tratar apenas os sintomas, cientistas querem intervir na linguagem bioquímica do próprio corpo, ajustando os sinais que causam o descompasso energético e as doenças que dele derivam.

E quem diria que tudo isso começa em silêncio, lá no intestino?