Connect with us

Comportamento

O preço da competência: por que mulheres ainda precisam provar mais para serem levadas a sério no trabalho

Published

on

mulher trabalho - O preço da competência: por que mulheres ainda precisam provar mais para serem levadas a sério no trabalho

“Precisei mostrar o dobro para ser ouvida.” Essa é uma frase que se repete em muitas rodas de conversa entre mulheres que ascenderam profissionalmente. Embora os avanços sejam visíveis — mais mulheres em cargos de liderança, maior presença em áreas de tecnologia e ciências, e políticas corporativas que falam sobre equidade — a sensação de precisar se provar o tempo todo ainda é uma realidade silenciosa.

Anúncios

Segundo pesquisa da consultoria Lean In, 66% das mulheres afirmam sentir que suas competências são questionadas com mais frequência do que as de seus colegas homens. O dado revela algo mais profundo: a competência feminina ainda não é um pressuposto, mas uma conquista diária.

Entre a autocrítica e o perfeccionismo

A síndrome da impostora é um termo já conhecido, mas ainda pouco compreendido. “Ela não nasce da vaidade, e sim da comparação constante e da cultura de invalidação”, explica a psicanalista Vera Iaconelli, diretora do Instituto Gerar. Segundo ela, mulheres internalizam desde cedo a ideia de que precisam ser perfeitas para merecer reconhecimento — e isso se reflete no ambiente profissional.

mulher trabalho - O preço da competência: por que mulheres ainda precisam provar mais para serem levadas a sério no trabalho

A busca por aprovação torna-se exaustiva. Em vez de se permitirem errar e aprender, muitas se sentem pressionadas a entregar resultados impecáveis para não perder espaço. O problema é que esse alto nível de autoexigência pode se transformar em ansiedade, insônia e até burnout, fenômeno que atinge desproporcionalmente as profissionais do sexo feminino.

Anúncios

Quando a firmeza é confundida com frieza

A dualidade é cruel: homens assertivos são vistos como líderes confiantes; mulheres assertivas, como “difíceis”. É o que mostram estudos conduzidos pela Universidade de Yale, que evidenciam o viés inconsciente no julgamento de comportamentos profissionais.

Para a executiva e consultora Patrícia Ellen, ex-secretária de Desenvolvimento Econômico de São Paulo, a liderança feminina ainda carrega o peso da dissonância de gênero: “Esperam que sejamos empáticas e acolhedoras, mas também firmes e objetivas. Quando equilibramos isso, o sistema reage, porque ainda não está acostumado com mulheres no comando.”

O cansaço emocional de ser “a exceção”

Em muitos ambientes, ser mulher é também representar uma minoria. A engenheira agrônoma Luana Ribeiro, 33 anos, relata: “Sou a única mulher em uma equipe com 14 homens. Preciso explicar mais, justificar mais, e quando algo dá errado, parece que o erro pesa o triplo.”

Esse tipo de experiência não é isolado. Ele revela como a presença feminina em áreas masculinizadas — como engenharia, TI, finanças e agronegócio — ainda provoca resistência, mesmo que velada. A consequência é um desgaste psicológico que vai além da competência técnica: é emocional, invisível e cumulativo.

A nova narrativa: autenticidade é força

Mas há uma virada acontecendo. Cada vez mais, as mulheres têm redefinido o que é ser profissional de sucesso, valorizando autenticidade, propósito e bem-estar. “Durante muito tempo acreditamos que precisávamos imitar comportamentos masculinos para sermos respeitadas. Hoje sabemos que ser verdadeira é o que inspira”, afirma a comunicadora e escritora Martha Gabriel, especialista em liderança e inovação.

Nas empresas, movimentos de mentoria feminina, redes de apoio e programas de diversidade com metas reais começam a transformar o cenário. A conversa sobre carreira passou a incluir também saúde mental, maternidade, e o direito de não ser perfeita o tempo todo.

Um novo tipo de confiança

A autoconfiança feminina, portanto, está deixando de ser um ato de coragem isolado para se tornar um ato coletivo de reeducação social. Ao se apoiar mutuamente, compartilhar vulnerabilidades e exigir políticas corporativas mais justas, as mulheres estão moldando um novo modelo de liderança — mais humano, mais consciente e, paradoxalmente, mais forte.

“Não se trata de pedir espaço, mas de ocupar o espaço com naturalidade”, diz Vera Iaconelli. E talvez essa seja a mensagem mais poderosa da nova era profissional feminina: competência não precisa mais ser provada — apenas reconhecida.