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Tendência à seletividade alimentar em bebês nascidos antes do tempo alerta pais e reforça necessidade de políticas públicas

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Desde os primeiros dias de vida, bebês prematuros enfrentam desafios que vão além do crescimento e do ganho de peso. Um novo estudo reforça o que muitas famílias já percebem na prática: a alimentação infantil desses pequenos exige atenção redobrada, não apenas pela quantidade de nutrientes ingeridos, mas pelos impactos no vínculo emocional, no desenvolvimento motor e até na saúde mental da criança.

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Pesquisas conduzidas por especialistas do Hospital de Clínicas da UFPR, em Curitiba, revelam que mais de 11% das crianças nascidas antes do tempo — especialmente aquelas com peso abaixo do esperado para a idade gestacional — apresentam algum grau de dificuldade alimentar, como recusa de texturas, vômitos frequentes, seletividade extrema ou comportamento ansioso durante as refeições.

Além do mais, essa tendência não se restringe à nutrição. Comer, para o bebê, é também um dos primeiros atos de interação social. E quando esse momento se torna tenso ou conflituoso, a rotina familiar também adoece.

Prematuridade afeta mais do que o corpo

As causas por trás da seletividade alimentar em prematuros são multifatoriais. Do uso prolongado de oxigênio nos primeiros dias de vida à exposição a procedimentos invasivos em UTIs neonatais, esses pequenos acabam desenvolvendo respostas diferentes ao toque, ao cheiro e à textura dos alimentos.

Essa hipersensibilidade sensorial costuma se manifestar com força quando começa a introdução alimentar, tornando cada refeição um verdadeiro campo de batalha entre a criança e os cuidadores. A presença de doenças respiratórias, como asma e rinite, ou alterações neurológicas e cardíacas, também contribui para agravar o quadro — além de dificultar a formação do vínculo afetivo com o ato de comer.

Relato real: quando o prato vira um desafio

A experiência de Letícia Padilha, mãe dos gêmeos Vítor e Gustavo, hoje com cinco anos, ilustra como esse processo pode ser delicado. Nascidos prematuros, os meninos enfrentaram desde cedo alergias alimentares, como a proteína do leite de vaca, além de dificuldades na amamentação.

Segundo ela, a mamadeira era mais aceita pelos bebês devido ao fluxo constante, o que exigia menos esforço do que o peito. Ainda hoje, a dupla apresenta resistência a certos alimentos, especialmente os de textura mais complexa, e segue com acompanhamento médico regular para lidar com questões gastrointestinais e motoras.

A realidade dos filhos de Letícia é comum entre muitas famílias brasileiras que convivem com esse tipo de desafio — e que, muitas vezes, têm pouco ou nenhum acesso a suporte especializado.

Quando o “meu filho não come” precisa ser levado a sério

A frase “meu filho não come” é dita por muitas mães e pais, mas nem sempre recebe a devida atenção. Em parte dos casos, trata-se de uma percepção distorcida da família, que imagina que a criança está se alimentando mal, quando, na verdade, a ingestão nutricional está adequada. No entanto, há situações em que o problema é real e exige intervenção precoce.

A alimentação na infância não deve ser reduzida ao simples ato de colocar comida no prato. Trata-se de uma construção afetiva, uma troca de olhares, gestos e confiança. Por isso, quando há resistência crônica à alimentação, episódios de vômito, choro, rigidez corporal ou recusa sistemática de alimentos, é fundamental buscar ajuda especializada.

E um ponto importante: forçar a criança a comer pode ser tão prejudicial quanto ignorar os sinais. O ideal é apostar no acolhimento, no tempo da criança e em um olhar interdisciplinar que inclua pediatras, nutricionistas e fonoaudiólogos.

Atendimento ainda é escasso no Brasil

Apesar de ser uma realidade recorrente, a seletividade alimentar infantil ainda não conta com uma rede de atendimento suficientemente ampla no país. Hoje, o Brasil possui apenas dois centros pediátricos públicos especializados nesse tipo de cuidado. Um deles é o ADA, o Ambulatório de Dificuldades Alimentares da UFPR, que realiza atendimentos gratuitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Desde sua criação, o ambulatório já atendeu cerca de 3 mil crianças, incluindo casos complexos envolvendo transtorno do espectro autista (TEA), prematuridade extrema e déficits sensoriais. O trabalho da equipe também serve como campo de formação para novos profissionais e como exemplo de acolhimento humanizado para crianças que enfrentam a alimentação como um desafio diário.

O que pode (e precisa) mudar

Especialistas e pesquisadores envolvidos no estudo reforçam que políticas públicas voltadas à alimentação infantil devem ir além das campanhas educativas genéricas. É preciso investir na criação de centros multidisciplinares, capacitar profissionais da saúde, e, principalmente, ampliar o acesso ao diagnóstico e ao cuidado precoce.

A alimentação, nesse contexto, deixa de ser apenas uma questão de cardápio e passa a ser reconhecida como um componente essencial do desenvolvimento físico, emocional e social da criança.

Enquanto isso, milhares de famílias seguem na tentativa e erro, navegando entre medos, inseguranças e expectativas. E cada avanço na ciência — como o uso da Escala Brasileira de Alimentação Infantil, aplicada pela primeira vez em prematuros — é um passo em direção ao reconhecimento de que comer, para algumas crianças, é mais do que natural: é uma vitória diária.

*Fonte: ciencia.ufpr