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Moda, clima e a encruzilhada que não dá mais para ignorar

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Às margens da Amazônia, a COP30 expôs uma verdade que vem rondando as passarelas, os feeds e as conversas de backstage: a moda, tão veloz para criar tendências, ainda caminha devagar quando o assunto é impacto ambiental. Um setor que emprega milhões de pessoas no planeta e que está associado a até 8% das emissões globais de gases de efeito estufa apareceu no palco climático mais importante do mundo mais como figurante de luxo do que como protagonista de soluções.

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Enquanto as discussões avançavam dentro e fora das plenárias, ficava evidente o tamanho do paradoxo. A moda, que tem o poder de moldar comportamento e mover a estética global, permanece aquém da responsabilidade climática que se espera de um dos setores culturais mais influentes da atualidade.

O poder cultural da moda e a lacuna entre discurso e ação

Poucos segmentos traduzem desejos coletivos tão rapidamente quanto a moda. Uma ideia nasce na passarela, se espalha pelas redes, chega às ruas e, com a mesma velocidade, influencia debates políticos e culturais. Essa força transformadora poderia ser uma aliada decisiva na construção de uma transição justa. No entanto, a distância entre o que é prometido e o que realmente muda ainda é grande.

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Foi nesse contexto que o Fashion Industry Charter for Climate Action, braço setorial da UNFCCC, divulgou na COP um comunicado firme, pedindo três avanços urgentes: mais acesso à energia renovável, transparência obrigatória nas metas climáticas corporativas e financiamento robusto para descarbonizar cadeias produtivas. Mesmo assim, organizações como Stand.earth e Global Fashion Agenda lembraram que chegou o momento de transformar pactos voluntários em compromissos mandatórios, com metas regionais, eliminação do carvão e rastreabilidade total.

Quando a sociedade civil ocupa o espaço que a indústria deixou vazio

Se a presença oficial do setor nas negociações foi tímida, o movimento brasileiro que atua na moda fez questão de marcar posição. Antes mesmo da abertura da COP30, coletivos, instituições e iniciativas independentes colocaram o tema na agenda climática.

A Rio Ethical Fashion (REF) apresentou uma Carta-Manifesto com diretrizes para uma moda regenerativa. A Rede Brasil lançou o Posicionamento pela Transição Justa dos Setores de Moda e Têxtil, enquanto o Fashion Revolution Brasil divulgou o Índice de Transparência da Moda – Edição Clima, reconhecido como solução pelo Mutirão da COP. Todas essas iniciativas convergem para a mesma constatação: não faltam promessas, falta coerência.

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Além disso, a ciência já mostrou que a trajetória atual é insustentável. As emissões setoriais seguem em alta, e se nada for alterado, a produção global pode alcançar 169 milhões de toneladas de têxteis até 2030, número incompatível com a meta de limitar o aquecimento a 1,5°C.

A conta climática recai sobre trabalhadores e territórios vulneráveis

A estética sedutora da moda frequentemente esconde impactos duros: uso intensivo de combustíveis fósseis, processos industriais poluentes, desigualdade na cadeia e produção acelerada. Quando o setor posterga mudanças, quem sofre primeiro são comunidades vulneráveis, biomas sensíveis e trabalhadores expostos a condições frágeis.

Por isso, a ideia de transição justa ganha protagonismo. Não basta lançar coleções “verdes” ou cápsulas sustentáveis, que muitas vezes funcionam mais como estratégia de marketing do que como resposta real à crise ambiental. O setor precisa assumir quatro pilares inadiáveis: reduzir o uso de combustíveis fósseis, garantir rastreabilidade total, adotar a economia circular como estratégia de negócio e impulsionar inovações regenerativas.

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A redução de combustíveis fósseis passa por eliminar gradualmente o carvão e transformar etapas críticas, como tingimento e estamparia, em processos limpos. Já a rastreabilidade se tornou essencial. Sem ela, não há como demonstrar desmatamento zero, energia renovável ou condições dignas de trabalho.

Circularidade e regeneração: as novas fronteiras da criação

A moda precisa reinventar seu próprio conceito de produto. Reciclar, reduzir, reaproveitar e redesenhar sistemas é mais do que tendência: é sobrevivência. Nesse ponto, a sociobioeconomia desponta como fonte de materiais, narrativas e modelos de negócio que aliam biodiversidade e inovação. É um caminho que se abre especialmente para o Brasil, cuja riqueza natural e cultural desperta interesse global.

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A Amazônia vira passarela e lança a pergunta que ninguém consegue ignorar

Durante a conferência, um momento específico condensou o espírito dessa virada. O desfile-manifesto “Vestir Amazônia, Reflorestar o Clima”, da Assobio, com apoio da Riachuelo, transformou o Hangar da COP em palco de reflexões. A provocação ecoou entre representantes de vários países: “O que você tem vestido para o futuro do clima?”

A resposta ultrapassa coleções, tendências ou narrativas de marketing. Trata-se de responsabilidade. O que vem daqui para frente exige coragem, coerência e política pública. Se a moda deseja fazer parte da solução, precisa escolher essa posição agora — e agir com a urgência que o planeta exige.

O Brasil já está no radar internacional — e isso é só o começo

Mesmo antes da COP começar oficialmente, o Brasil foi colocado no centro das atenções pelo UN Fashion and Lifestyle Network, em parceria com o UN Office for Partnerships e a Fashinnovation, durante o evento Design for the Planet. A mensagem foi clara: o país tem potencial para liderar o movimento global de moda climática.

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Com uma das maiores biodiversidades do planeta, matriz energética renovável em 85% e modelos ancestrais de manejo, como agroecologia e sistemas agroflorestais, o Brasil possui vantagens que poucos países têm. Além disso, nossa indústria têxtil domina toda a cadeia — do algodão ao denim — e nossos criadores vêm de territórios diversos, como comunidades indígenas, ribeirinhas e periféricas, que reinventam estética, política e materialidade.

A pergunta que permanece é simples, embora poderosa: o setor da moda está pronto para assumir o lugar de liderança que o mundo espera?

Fonte: Exame